Médium – Sra. Costel
Marte é um planeta inferior à Terra, da qual é grosseiro esboço; não é necessário habitá-lo. Marte é a primeira encarnação dos mais grosseiros demônios. Os seres que o habitam são rudimentares; têm a forma humana, mas sem nenhuma beleza; têm todos os instintos do homem, sem a nobreza da bondade.
Entregues às necessidades materiais, comem, bebem, batem-se, acasalam-se. Mas como Deus não abandona nenhuma de suas criaturas, no fundo das trevas de sua inteligência jaz latente o vago conhecimento de si mesmos, mais ou menos desenvolvido. Esse instinto é suficiente para torná-los superiores uns aos outros e preparar a eclosão para uma vida mais completa. A deles é curta como a dos insetos efêmeros. Os homens, que são apenas matéria, desaparecem após curta evolução. Deus tem horror ao mal e só o tolera como servindo de princípio ao bem. Ele abrevia o seu reino, sobre o qual triunfa a ressurreição.
Nesse planeta a terra é árida; pouca verdura; uma folhagem sombria, que a primavera não renova; um dia igual e cinzento. Apenas aparente, o Sol jamais prodigaliza suas festas; o tempo escoa monótono, sem as alternativas e as esperanças das novas estações; não é inverno, não é verão. Mais curto, o dia não é medido do mesmo modo; a noite reina mais longa. Sem indústria, sem invenções, os habitantes de Marte consomem a vida à procura de alimento. Suas grosseiras habitações, baixas como um casebre, são repugnantes pela incúria e pela desordem que nelas reinam. As mulheres se destacam sobre os homens; mais abandonadas, mais famélicas, não passam de suas fêmeas. Têm apenas o sentimento maternal; dão à luz com facilidade, sem nenhuma angústia; alimentam e guardam seus filhos a seu lado, até o completo desenvolvimento de suas forças, e os expulsam sem pesar e sem saudade.
Não são canibais; suas contínuas batalhas não têm outro objetivo que não seja a posse de um terreno mais ou menos abundante em caça. Caçam nas planícies intermináveis. Inquietos e instáveis como os seres desprovidos de inteligência, deslocam-se incessantemente. A igualdade da estação, a mesma em toda parte, comporta, em conseqüência, as mesmas necessidades e as mesmas ocupações; há pouca diferença entre os habitantes de um e de outro hemisfério.
Para eles a morte não representa nenhum pavor ou mistério; consideram-na apenas como a putrefação do corpo, que queimam imediatamente. Quando um desses homens vai morrer, logo é abandonado; então, só e deitado, pensa pela primeira vez; um vago instinto o assalta; como a andorinha advertida da próxima estação, sente que nem tudo está acabado, que vai recomeçar alguma coisa desconhecida. Não é bastante inteligente para supor, temer ou esperar, mas calcula, às pressas, suas vitórias e derrotas; pensa no número de caças que abateu e se regozija ou se aflige conforme os resultados obtidos. Sua mulher – só têm uma por vez, embora possam trocá-las sempre que lhes convêm – agachada à entrada, atira seixos no ar; quando formam um montículo, ela julga que chegou a hora e se aventura a olhar para o interior; se suas previsões se tiverem realizado, se o homem estiver morto, ela entra sem um grito, sem uma lágrima, despoja-o da pele de animais que
o envolve, vai friamente avisar seus vizinhos, que transportam o corpo e o incineram, tão logo esfria.
Os animais, que por toda parte sofrem os reflexos humanos, são mais selvagens, mais cruéis que em qualquer outro lugar. O cão e o lobo são uma só e mesma espécie, incessantemente em luta com o homem, que, contra eles, se entrega a combates encarniçados. Aliás, menos numerosos, menos variados que na Terra, os animais são a miniatura deles mesmos.
Os elementos têm a cólera cega do caos; o mar furioso separa os continentes sem navegação possível; o vento ruge e curva as árvores até o solo; as águas submergem as terras ingratas, que não fecunda; o terreno não oferece as mesmas condições geológicas da Terra; o fogo não o aquece; os vulcões são desconhecidos; as montanhas, pouco elevadas, não oferecem nenhuma beleza; fatigam o olhar e desencorajam a exploração; enfim, por toda parte, monotonia e violência; por toda parte a flor sem cor e sem perfume, por toda parte o homem sem previdência, matando para sobreviver.
Georges
Entregues às necessidades materiais, comem, bebem, batem-se, acasalam-se. Mas como Deus não abandona nenhuma de suas criaturas, no fundo das trevas de sua inteligência jaz latente o vago conhecimento de si mesmos, mais ou menos desenvolvido. Esse instinto é suficiente para torná-los superiores uns aos outros e preparar a eclosão para uma vida mais completa. A deles é curta como a dos insetos efêmeros. Os homens, que são apenas matéria, desaparecem após curta evolução. Deus tem horror ao mal e só o tolera como servindo de princípio ao bem. Ele abrevia o seu reino, sobre o qual triunfa a ressurreição.
Nesse planeta a terra é árida; pouca verdura; uma folhagem sombria, que a primavera não renova; um dia igual e cinzento. Apenas aparente, o Sol jamais prodigaliza suas festas; o tempo escoa monótono, sem as alternativas e as esperanças das novas estações; não é inverno, não é verão. Mais curto, o dia não é medido do mesmo modo; a noite reina mais longa. Sem indústria, sem invenções, os habitantes de Marte consomem a vida à procura de alimento. Suas grosseiras habitações, baixas como um casebre, são repugnantes pela incúria e pela desordem que nelas reinam. As mulheres se destacam sobre os homens; mais abandonadas, mais famélicas, não passam de suas fêmeas. Têm apenas o sentimento maternal; dão à luz com facilidade, sem nenhuma angústia; alimentam e guardam seus filhos a seu lado, até o completo desenvolvimento de suas forças, e os expulsam sem pesar e sem saudade.
Não são canibais; suas contínuas batalhas não têm outro objetivo que não seja a posse de um terreno mais ou menos abundante em caça. Caçam nas planícies intermináveis. Inquietos e instáveis como os seres desprovidos de inteligência, deslocam-se incessantemente. A igualdade da estação, a mesma em toda parte, comporta, em conseqüência, as mesmas necessidades e as mesmas ocupações; há pouca diferença entre os habitantes de um e de outro hemisfério.
Para eles a morte não representa nenhum pavor ou mistério; consideram-na apenas como a putrefação do corpo, que queimam imediatamente. Quando um desses homens vai morrer, logo é abandonado; então, só e deitado, pensa pela primeira vez; um vago instinto o assalta; como a andorinha advertida da próxima estação, sente que nem tudo está acabado, que vai recomeçar alguma coisa desconhecida. Não é bastante inteligente para supor, temer ou esperar, mas calcula, às pressas, suas vitórias e derrotas; pensa no número de caças que abateu e se regozija ou se aflige conforme os resultados obtidos. Sua mulher – só têm uma por vez, embora possam trocá-las sempre que lhes convêm – agachada à entrada, atira seixos no ar; quando formam um montículo, ela julga que chegou a hora e se aventura a olhar para o interior; se suas previsões se tiverem realizado, se o homem estiver morto, ela entra sem um grito, sem uma lágrima, despoja-o da pele de animais que
o envolve, vai friamente avisar seus vizinhos, que transportam o corpo e o incineram, tão logo esfria.
Os animais, que por toda parte sofrem os reflexos humanos, são mais selvagens, mais cruéis que em qualquer outro lugar. O cão e o lobo são uma só e mesma espécie, incessantemente em luta com o homem, que, contra eles, se entrega a combates encarniçados. Aliás, menos numerosos, menos variados que na Terra, os animais são a miniatura deles mesmos.
Os elementos têm a cólera cega do caos; o mar furioso separa os continentes sem navegação possível; o vento ruge e curva as árvores até o solo; as águas submergem as terras ingratas, que não fecunda; o terreno não oferece as mesmas condições geológicas da Terra; o fogo não o aquece; os vulcões são desconhecidos; as montanhas, pouco elevadas, não oferecem nenhuma beleza; fatigam o olhar e desencorajam a exploração; enfim, por toda parte, monotonia e violência; por toda parte a flor sem cor e sem perfume, por toda parte o homem sem previdência, matando para sobreviver.
Georges